O soalho perscrutava o rugido daquela velha porta de carvalho, a poeira a lhe tocar saudosamente cada parte da madeira. O relógio na parede anunciava a chegada de um aluno, que ouvia o piano tocar qual intruso o prelúdio de Bach, das suítes para violoncelo. O aluno, de uma percepção diligente, imediatamente indagou que aquela peça era para violoncelo. Como não o escutasse, o professor continuou a executar ao piano. "Uma das músicas mais lindas que já ouvi", pensou o aluno, enquanto examinava aquele piso de madeira coberto de poeira, "é um crime executá-la no piano".
Pôs-se, então, o aluno aquecer os dedos. Olhava para o piano de cauda – aquele lindo piano de cauda, que, antes de tudo, era uma obra de arte -, para o tapete persa sob ele; olhava o relógio na parede. "Ainda acho que ela deve ser executado ao cello", ponderava. Enfim, olhou para dentro de si.
De súbito, uma epifania, ou algo que a valha. Olhou para as paredes e percebeu que elas juntavam-se tanto ao teto quanto ao soalho. E, sobre o soalho, o tapete, e sobre o tapete, o piano, e, sobre tudo, aquela música a inundar o cômodo como lágrimas de um gigante. Sentia as vibrações em seus pés, e a poeira parecia dialogar com o chão, e a harmonia do ambiente casava-se à harmonia da música. Compreendeu.
- Bom – disse o professor sorrindo – continuamos na próxima semana.