segunda-feira, 16 de maio de 2011

A aula de piano

O soalho perscrutava o rugido daquela velha porta de carvalho, a poeira a lhe tocar saudosamente cada parte da madeira. O relógio na parede anunciava a chegada de um aluno, que ouvia o piano tocar qual intruso o prelúdio de Bach, das suítes para violoncelo. O aluno, de uma percepção diligente, imediatamente indagou que aquela peça era para violoncelo. Como não o escutasse, o professor continuou a executar ao piano. "Uma das músicas mais lindas que já ouvi", pensou o aluno, enquanto examinava aquele piso de madeira coberto de poeira, "é um crime executá-la no piano".

Pôs-se, então, o aluno aquecer os dedos. Olhava para o piano de cauda – aquele lindo piano de cauda, que, antes de tudo, era uma obra de arte -, para o tapete persa sob ele; olhava o relógio na parede. "Ainda acho que ela deve ser executado ao cello", ponderava. Enfim, olhou para dentro de si.

De súbito, uma epifania, ou algo que a valha. Olhou para as paredes e percebeu que elas juntavam-se tanto ao teto quanto ao soalho. E, sobre o soalho, o tapete, e sobre o tapete, o piano, e, sobre tudo, aquela música a inundar o cômodo como lágrimas de um gigante. Sentia as vibrações em seus pés, e a poeira parecia dialogar com o chão, e a harmonia do ambiente casava-se à harmonia da música. Compreendeu.

- Bom – disse o professor sorrindo – continuamos na próxima semana.

domingo, 15 de maio de 2011

Pois é, meu amigo. C'est la vie. Eu diria que sonho é desatino.

*

"Não há mal que sempre dure, nem bem que não se acabe"
Da obra O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes Saavedra


Sei da vida em desalinho
que tu sofres, grande amigo;
sei do amor, o triste espinho.
Sei da vida em desalinho,
Mas enxerga meu carinho:
tens afeto onde te abrigo.
Sei da vida em desalinho
que tu sofres, grande amigo.

Poema em quatro versos

Não quero agradar
mundos e fundos.

Sinto muito!

Caminho (pro)fundo.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, éteres, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Letra de Itamar Assumpção e Paulo Leminski, conhecida na voz de Zélia Duncan.