terça-feira, 5 de julho de 2011

A me traduzir:
inefável.
Mas como dizê-lo sem palavras?

segunda-feira, 4 de julho de 2011

No sebo

Para David Coutinho

Soltou o livro sobre o balcão, instigando a poeira e enevoando o ambiente. Está com defeito, disse. O vendedor, um velho de rosto esquálido onde jaziam um bigode negro e dois olhos diáfanos, pôs-se a tossir em razão da poeira. O moço não mostrava sinais de escusa, ainda que o velho tossisse como um tísico. Em contrapartida, demonstrando complacência, o vendedor pôs os óculos e limpou o bigode. Era outro, agora exalava um ar intelectual, semelhante àqueles bibliotecários que vemos nas grandes bibliotecas. Sua aparência também mudara: os olhos cresceram à medida que ele punha os óculos e o bigode tornou à cor natural. Era um velho de quem a senilidade se ausentara por uns momentos.

Delicadamente o senhor pegou o livro e começou o exame minucioso, exame tal que apenas os respeitosos senhores que usam bigode e óculos sabem fazer - sabe-se lá por quê. Passou, então, os olhos pela capa, examinou página por página, conferiu se alguma estava faltando. Era um livro fino de poemas de um autor desconhecido, parece que foi escolhido pelo título. Não foi difícil folhear o livro inteiro em pouco tempo (mas apenas os senhores que usam bigode e óculos sabem fazê-lo em tão pouco tempo). Por fim, fechou o livro.

- Não vejo problema algum.
- Abra na página 33 - disse o cliente, exasperado. - Vê agora?

Nada além de um pequeno poema, cujo conteúdo eu transcrevo aqui - afinal, participo efetivamente desta narrativa -, havia na página 33. Modéstia à parte, mas, sem a minha figura, vocês, leitores tão cultos - e tão ignorantes -, não conheceriam o conteúdo do poema. E eu? Eu, que neste exato instante vos escrevo, compreendo que sou tão néscio quanto vós. Hei de me perguntar: o que transcrevo é realmente o conteúdo?


Máscara

O que (?) são
Suas Tuas coroas
São (?) moedas
São (?) reais
São?

E todo o resto da página em branco. O balcão empoeirado já sentia as leves pancadas que o moço lhe dava com os nós dos dedos gordos (porque os objetos, ainda que de madeira morta, sentem), impaciente. E, na mesma impaciência, seu corpo falava (porque o corpo, ainda que de maneira muda, fala): falava com os pés que batiam contra o chão num andamento vivo, falava com a respiração arfante de pessoas gordas. Enfim, falava. Talvez tenha entendido que o defeito encontrava-se na edição, na impressão ou mesmo (e por que não?) nas palavras.

O senhor vendedor parecia entender a inquietação do rapaz. Mas leu o poema, mais por curiosidade que por exigência do cliente. Terminou a leitura, fechou o livro pela segunda vez.

- Não há defeitos – disse – Sinto muito, mas não devolverei o seu dinheiro, se é o que quer.

- Pois é justamente o que quero. Veio com defeito de...

- Justamente? Não há defeito algum.

- Como?

- O quê?

- Como? – Já perdera a paciência.

- Se não comesse, não estaria gordo desse jeito.

- Velho ordinário! – Gritou o moço.

E saiu da loja assim que acabou de exclamar. Foi perder-se no que restava da tarde, na cor laranja do céu; talvez abrisse um processo, talvez reproduzisse aos amigos as últimas palavras que ouviu daquele senhor, que ainda tentou lhe dizer algo a mais, palavras que morreram no ar do sebo velho e na boca do nosso velho vendedor. As palavras são assim, morrem no vento, vazias.

Perdoe-me, caro leitor, sei que já importunei demais a vossa paciência com tantos porquês numa única narrativa curta; mas sinto-me na obrigação de outra elucidação: as palavras morrem no vento, desdobrando-se em unidades, por vezes em dezenas de outras palavras que se desdobram novamente, até esmiuçarem. É como o pano encharcado que esgota as possibilidades das gotas à medida que o torcemos. Porém o seu espírito permanece, tornando-se a palavra um mero meio - ou uma ferramenta, se assim preferirem.

Um sorriso irrompeu por debaixo dos bigodes negros do velho, que retirava os óculos e guardava o livro embaixo do balcão. Gostava de ser um velho comum.

O meu signo é minha sina
Vou morrer então pensando
Que meu nome é gelatina.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Caiu de repente

O que sou é que não sei
Demais sei: não sou poeta
Eu sou frágil, fraco, frouxo -
Quebrador de muita regra.

Acabada a explicação,
Tenho mais a lhe explicar
Mas pra isso ficar mais claro
Agora outra regra vou quebrar.

Estalei bem os meus dedos
Enfim, posso começar:
(bem conciso, pra encurtar)

Esta lei bem que servia
Mas meu coração descompassa
Dez compassos vão cair neste verso,
Como um abrir e fechar sempiterno.

Sonho, sonho, fala, fala:
Que dizer de tais palavras?
São palavras que vos digo
Elas cabem numa mala.
(E não servem para nada)

Outrossim é outro sim,
Ademais há demais pontos
Que não vou poder tocar,
que não quero prolongar.

Como já estou cansado,
ponho um já pra terminar.

terça-feira, 21 de junho de 2011

No entorno da fogueira fátua,
à sombra do invisível,
posta-se o batalhão Soledade

Sob a árvore mais frondosa
do Tártaro
acorrentado, surdo-mudo,
à sombra do invisível,
posta-se o batalhão Soledade.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Canto da finitude

E as senhoras do Tempo perguntaram:
há tristezas neste mundo
oriundo do pensar?

Sim, há, sinhá
Sim, há, sinhá

E as senhoras do Tempo perguntaram:
Há um mundo de tristezas?
Que nos valha Oxalá!

Sim, há, sinhá
Sim, há, sinhá

E o vento silvou
E as folhas caíram
E nada mudou

E a sede matou
E as pombas ardiam
E nada mudou

(E às cem horas o tempo parou)

sábado, 11 de junho de 2011

[Aquilo não teve princípio]

Aquilo que não teve princípio
e nunca terá fim;
aquilo que esbarra nas quinas do coração
e adentra a alma;
aquilo que esmaga, estraçalha, espedaça
e acalenta;
aquilo que afunda, chafurda na lama
e emerge belo como nunca:

Ah, eu tenho saudades de todas essas coisas
aqui desconhecidas que ainda estão por vir.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Sobre a Academia Brasileira de Letras

Merval Pereira? Um dia eu chego lá!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A aula de piano

O soalho perscrutava o rugido daquela velha porta de carvalho, a poeira a lhe tocar saudosamente cada parte da madeira. O relógio na parede anunciava a chegada de um aluno, que ouvia o piano tocar qual intruso o prelúdio de Bach, das suítes para violoncelo. O aluno, de uma percepção diligente, imediatamente indagou que aquela peça era para violoncelo. Como não o escutasse, o professor continuou a executar ao piano. "Uma das músicas mais lindas que já ouvi", pensou o aluno, enquanto examinava aquele piso de madeira coberto de poeira, "é um crime executá-la no piano".

Pôs-se, então, o aluno aquecer os dedos. Olhava para o piano de cauda – aquele lindo piano de cauda, que, antes de tudo, era uma obra de arte -, para o tapete persa sob ele; olhava o relógio na parede. "Ainda acho que ela deve ser executado ao cello", ponderava. Enfim, olhou para dentro de si.

De súbito, uma epifania, ou algo que a valha. Olhou para as paredes e percebeu que elas juntavam-se tanto ao teto quanto ao soalho. E, sobre o soalho, o tapete, e sobre o tapete, o piano, e, sobre tudo, aquela música a inundar o cômodo como lágrimas de um gigante. Sentia as vibrações em seus pés, e a poeira parecia dialogar com o chão, e a harmonia do ambiente casava-se à harmonia da música. Compreendeu.

- Bom – disse o professor sorrindo – continuamos na próxima semana.

domingo, 15 de maio de 2011

Pois é, meu amigo. C'est la vie. Eu diria que sonho é desatino.

*

"Não há mal que sempre dure, nem bem que não se acabe"
Da obra O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes Saavedra


Sei da vida em desalinho
que tu sofres, grande amigo;
sei do amor, o triste espinho.
Sei da vida em desalinho,
Mas enxerga meu carinho:
tens afeto onde te abrigo.
Sei da vida em desalinho
que tu sofres, grande amigo.

Poema em quatro versos

Não quero agradar
mundos e fundos.

Sinto muito!

Caminho (pro)fundo.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, éteres, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Letra de Itamar Assumpção e Paulo Leminski, conhecida na voz de Zélia Duncan.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Óia que bonito! Um dos meus grandes amigos pro que der e vier, David Coutinho, postou um poema meu no blog dele. Pulem o poema e vejam as demais postagens. Criatividade promissora. Segue o link. Evolução dos contrários

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Ah, se eu fosse poeta de verdade,
desses que transformam bons tratos em boas tortas -
estes, com maestria, conjugam o verbo doer -,
trataria logo de inventar novos fatos; novas rotas.
Eu teria brincado tanto com a realidade,
que nem mais seria de verdade -
seria de mentirinha.

-

Outra velharia.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Carta ao cajueiro

Cajueiro, cajueiro,
de onde caí quando era jovem,
por onde andas, meu amigo?
Penso em ti toda vez que chove.

Cajueiro, cajueiro,
de onde caí quando era jovem,
escrevo-lhe para dizer
que caí e doeu, doeu.

Cajueiro, ah!, cajueiro,
que vida amarga, meu amigo!
A gente tenta tantas vezes,
que o amor acaba inibido.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Interessante, acabo de fazer uma espécie de redução epistemológica, não vou dizer nenhuma novidade, mas posso garantir que cheguei a essa redução depois de seguir um caminho que leva ao convencimento de que se trata de verdade transparente, um caminho que não posso dividir, mas que qualquer um, se quiser, pode trilhar também. A redução é a seguinte, sabe o que é a vida? é foder. A vida é foder.

A casa dos Budas ditosos, João Ubaldo Ribeiro

[O mundo existiu, mas somente]

O mundo existiu, mas somente
em minhas tenras primaveras.

Sobraram refugos de um mundo...

Mudo!

O mundo existe, mas somente
durante meus longos invernos.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

[Onde as ruas se encontram]

Onde as ruas se encontram,
lá hei de me encontrar
com as palavras.

Rua dos passos,
inauditos passos meus.

Escuta o movimento
dos meus pés, palavra:
Tu, assim como eu,
és sucinta,
e inefável,
e vazia.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sobre corações e lápis de cor

Os desalentados vejam a saudade:
não tem cor, não tem idade.
Tem, por sorte, uma nacionalidade
que o tempo lhe deu.

Os infortunados vejam o poeta:
só tem a dor que o afeta.
porventura, não segue a reta
que o caminho ofereceu.

Por final, o mundo veja o amor:
tem seu tempo, tem sua dor,
mas também tem o sabor
que o poeta concedeu.


-


Faz três anos que escrevi esses versos. Envelhecemos e emburrecemos.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Manifesto Pitomba

01. porque a palavra, já que dita, não é palavra, antes de ouvida.
02. porque se há de ser dito, e se convém que se ouça, que seja dito com cacofatos e microfonias, pra que, assim, quem ouça também diga.
03. porque haja uma leva de gente, por fatalidade geográfica, no mesmo tempo e à mesma inação.
04. porque a informação não se pertence e a posse de ter é a posse de dar e é essa posse que reivindicamos.
05. porque a palavra há de existir para além de quem a diga, mas não para além dela, porque a palavra está para além de nada.
06. porque pra além do caroço, que é quase tudo, existe a casca, que se quebra, e existe a polpa, que se quer:

pitomba!

                                                                                                  Bruno Azevêdo

terça-feira, 22 de março de 2011

Polarizado

Estendo minha a mão a ti.
Eu, desesperado,
apelo.

Tu me vês dessa margem
com os meus próprios olhos.
Vejo minhas mãos.
E elas negam a si próprias.

Mas é preciso que te olhes;
é preciso afogar-te neste lago,
para que eu torne a respirar.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Caminhão

Todos os caminhos
levam a Roma
e seus caminhos.

Caminho.

sábado, 12 de março de 2011

"A arte é primeiro espontânea, depois intencional"

Raul Pompéia

domingo, 6 de março de 2011

Quanto demora um tempo?

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Poesia Alheia

Ultimos dias

Meus ultimos dias,
entendo uma saudade
quando te encontro, sem te ver
saudade do que não vi.

Meus ultimos dias, tenho falado
com um espelho
sem medo de me abrir
mesmo quando olho pro seu sorriso
exposto em uma foto
ele é lindo, não precisa estar aqui.

Meus ultimos dias
estão sem rimas
não quero prosar nada
quero continuar falando com o meu espelho.


Fábio Leoni

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Poesia para não poetas

Poesia para não poetas 1

Andando na rua, eis que tropeço numa pedra:

- Porra de pedra no meio do caminho.

Será que minhas retinas fatigadas jamais esquecerão desse acontecimento em suas vidas?
Balela! Somente o dedão do meu pé se lembrará da topada nesta maldita pedra.

Poesia para não poetas 2

- Toma um fósforo... - a estranha do meu lado oferece com seu cabelo de pantera.
- Obrigado, eu não fumo! - falo com um sorriso simpático, esquivando-me da quimera.

Ela me apedreja com os olhos e então me beija como uma fera:
- Mas que puta!! Vá escarrar na boca da sua mãe, cadela.

Poesia para não poetas 3

Mulheres para escolher, fiquei entre clara e morena:

Casimiro: - A morena é predileta.
Abreu: - Mas a clara é dos céus...
Casimiro: - A morena é a favorita dos homens.
Abreu: - Mas a clara é dos poetas.

Eu: - Perfeito, me ajudaram a decidir. Levarei as duas!

Poesia para não poetas 4

- Meu nome é Raimundo.
Rima estranha se rimar com mundo.
Não sou retirante, nem errante, nem cabeça grande.
O coronel aqui é Manoel, Zacarias foi trapalhão.

- Meu nome é Raimundo.
Não sou pirata e nem cantor.
Lavradores nunca me agradaram...
Sou empresário e construtor.

- Meu nome é Raimundo.
E um dia fui caipira.
Mas por Deus eu renasci.
Depois de uma vida severina.

- Severina, minha esposa.
Rima estranha se rimar com mundo.

Poesia para não poetas 5

Morava no vigésimo andar do prédio e tinha uma vizinha chamada Esperança.
Um dia Esperança, que já apresentava traços de loucura, pulou de sua janela mirando a calçada.
Pois bem, ela não voltou a ser criança e seus olhos verdes foram cobertos pelo sangue.
Seu vizinho concluiu: - Ainda dizem que esperança é a última que morre!


David Coutinho

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

[Escrevi qualquer verso]

Escrevi qualquer verso
Rimei, foi tudo em vão.
E ficou bem disperso.
Poesia assim? não!

A poesia
que reside em mim
é rebelde.

É revelia
e só rima quando quer.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Poesia alheia

Inspiração

Eu sei que a inspiração chegara de longe
O verbo situa-se na ponta da lingua
Palavras, queria eu que fossem cirúrgicas;
Porém são simplórias, brutas.

Eu sei que ela está encarniçada com a sua beleza
A mais bela, seus olhos são roucos, roucos mel.
Não sei de todo, nada de você
Seu nome por inteiro, ou metade do que é

Eu sei que parece ser, a mais linda flor de Guaxupé
Mineira francesa, com certeza é
E ela, a inspiração, aflora sem querer
Eu não pude entender.


Fábio Leoni

Mundo minúsculo

Eu não
Existo neste mundo
não há ilusões

Eu não existo
Nesse mundo não
há ilusões

Eu
Não mundo
(Não)

Ilusões

Eunãoexisto(...)mundonãoháilusões

Eu aquém
Eu além
Eu quem?

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Ato (nau)

em
fado
se
foda
Passo
Passado
    Descompasso

Passo
  Passo
Futuropassado

domingo, 9 de janeiro de 2011

Onírico

Não ouço a lira
(pura?)
do outro lado.
versos
      (cândidos?)
Não escuto o que vem
da outra margem.
Transido de algum
               (sentimento).
                            (sentimento?)

Escuto.

Lá estamos, compondo novas melodias
e versos.
Lá, tudo é real.
Meus verdadeiros temores;
todos os meus amores.

Lá estamos, Fernando!

Jantando à mesa, eu e eu. eu.
Flautas, fotografias, palavras,
criando o universo.
Todos quantos eu sou.

...


Desperto.
                                                           (sou?)...

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Poesia alheia

Ambiguidades: Separação das sílabas

Me
Meta
Metade

David Coutinho

Quick fix

Meus últimos versos
se perderam...

Foram
palavras,
tão somente
palavras.
A poesia em
palavras,

versos vazios -
de significado
e de razão
para quem lê.

A poesia em
palavras,
palavras
tão somente.

Palavras
isoladas,
que não lograram fugir.
Palavras
Tolhidas no pensar,
presas à estaca
implacável do eu dentro do eu.

Queriam elas estrugir,
rugir e bradar
a liberdade;
queriam sua própria
transfiguração em outras artes.

Mas apenas palram no ermo;
plangem o fracasso
e a soledade.

Terminam assim,
presas em mim;
isoladas em um único verso sobre
palavras;
encerradas em si mesmas.

A poesia em
palavras,
palavras
tão somente.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

- Escreva um poema neste instante, disse.
- Nunca fiz coisas desse modo, meu amigo.
- Qualquer merda é arte.

Diálogos.
- Relaxe - ela me disse.
- Estou relaxado. Só não gosto de vê-la se atormentando por isso. Com um corpo escultural de que vale umas marcas no rosto?
- É coisa de adolescente...
- É apenas acne!
- Não é apenas acne. Tenho vontade de arrancar meu rosto fora e não sair de casa.
- Diabo! O quão vale pra você?
- É feio.
- E quem em sã consciência se importa com algo assim?! Nós somos casados há anos! Eu não ligo pra isso.
- Mas é feio.
Silêncio. Passos. Chaves. Fechadura. Batida. Ignição. Ronco. Pneus. Mais batida. Bar. Amigos. Cerveja. Horas. Embriaguez.
Ignição. Ronco. Pneus. Freio. Batida. Descompassos. Soluço. Chave. Vertigem. Fechadura. Batida.
- Olha meu rosto, amor! Que horrível!
- Arte...
- Arte?
- No bar, um amigo me disse: qualquer merda é arte...

Diálogos.

Gostaria de agradecer ao amigo Gabriel Magalhães, que, ultimamente, vem escrevendo muito bem.